Por: Rafael Ferreira dos Santos – Doutor em divulgação científica.
Orientação: Prof.ª Dr.ª Lucianne Fragel Madeira e Dr. Gustavo Henrique Varela Saturnino Alves.
E não é que um nanomaterial a base de carbono pode ser a chave para facilitar a chegada de medicamentos ao sistema nervoso central?
Os vasos sanguíneos que irrigam o sistema nervoso central são revestidos por uma estrutura especial que, em conjunto, atuam como filtro muito seletivo. A esse filtro chamamos de barreira hematoencefálica (Figura 1) só permitindo a passagem de alguns compostos necessários para o funcionamento cerebral. E que compostos são esses? São nutrientes, hormônios e gases.
Mas para que tanta seletividade?
Pense na seletividade como uma proteção contra moléculas tóxicas circulantes no sangue e contra fármacos que ingerimos oralmente ou injetamos para que caia diretamente na corrente sanguínea. E mesmo que o alvo seja atingir o cérebro, determinadas substâncias e/ou moléculas podem ter consequências tóxicas.
O grupo da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), liderado pela bióloga Maria Alice da Cruz Hofling (2017), testou o óxido de grafeno reduzido visando abrir a barreira hematoencefálica, a fim de facilitar que certos medicamentos cheguem ao cérebro com menos efeitos colaterais quando comparado aos procedimentos com o mesmo fim, feitos atualmente.
Maria Alice estudou veneno de aranhas do gênero Phoneutria (as conhecidas aranhas armadeiras) por 20 anos. Ela supunha que os efeitos neurotóxicos (que altera a atividade normal do sistema nervoso) do veneno seriam advindos de sua travessia pela barreira hematoencefálica. Porém, devido à dificuldade de isolar o componente do veneno responsável pela neurotoxicidade, buscou compostos/ substâncias alternativas que conseguissem também abrir a barreira hematoencefálica. E assim, partiu para os testes com o grafeno já que nanomateriais de sua família demonstravam potencial de afinidade de interação com o sistema nervoso. Especificamente o grafeno (reduzido) foi um deles tendo em vista sua alta afinidade elétrica e propriedades biológicas conhecidas.
Mas por que o grafeno reduzido? Vamos compreender melhor em duas etapas:
Etapa um:
Testes realizados, tanto em células quanto em animais de laboratório, já indicavam efeitos positivos, abrindo temporariamente a barreira hematoencefálica, na dose testada, sem aparente toxicidade.
Etapa dois:
Os nanomateriais da família do grafeno já mostravam potencial de interação com o sistema nervoso. Não por mera coincidência, afinal, os grafenos são ótimos condutores elétricos e, adivinha… as células neurais se comunicam por impulsos elétricos (Mendonça, 2015 e 2016).
E por que utiliza-se o grafeno reduzido?
Para compreendermos essa questão, temos que conhecer a estrutura do grafeno que é organizada em hexágonos regulares. Ele é 200 vezes mais resistente do que o aço e é um dos melhores condutores elétricos já conhecidos. Entretanto, em seu estado puro, suas aplicações são limitadas tendo em vista que sua solubilidade em água é baixa. E o grafeno reduzido, mas especificamente seu óxido? Esse sim é mais solúvel em água, ainda conseguindo preservar suas propriedades elétricas, similares ao grafeno puro.
Mas e agora? Como produzi-lo?
Para responder essa pergunta Monique Mendonça (2015 e 2016), junto com pesquisadores do laboratório de Nanoengenharia e Diamantes da Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação (FEEC) da Unicamp, adaptou o processo de produção sintetizando-o sem a necessidade de processos químicos intermediários. E o que resultou?
O grau de pureza aumentou para 99%, diminuindo a probabilidade de riscos e danos aos tecidos vivos. Grandezas inversamentes proporcionais.
Os métodos tradicionais de síntese costumam deixar impurezas como átomos de ferros, tungstênio ou níquel que podem ser tóxicos.
Mas… e na prática, o que acontece ao utilizar o óxido de grafeno reduzido?
Para investigar, injetaram o óxido de grafeno na circulação sanguínea (intravenosa) de ratos e acompanharam o caminho percorrido pelo composto no organismo do animal. E o que foi visto?
Uma hora mais tarde, as estruturas cerebrais, como hipocampo e hipotálamo, já apresentavam o óxido de grafeno reduzido e uma diminuição no nível de proteínas que mantém unidas as células que revestem os vasos sanguíneos. O resultado apresentado, demonstrou que ocorre a abertura (ainda que transitória) da barr comoeira hematoencefálica ao criar espaço entre as células que a formam. Horas depois, a barreira voltava ao seu estado normal.
OUTRAS VANTAGENS:
Entretanto, o mesmo autor pondera quanto ao uso de nanopartículas, sendo necessários mais estudos para verificar se causam efeitos colaterais a longo prazo, se é seguro para os seres humanos e se permite a chegada de outros componente ao cérebro de uma forma mais eficaz para então, serem utilizadas na prática clínica.
Referências:
MENDONÇA, M. C. P. et al. PEGylation of reduced graphene oxide induces toxicity in cells of the blood-brain barrier: An in Vitro and in Vivo Study. Molecular Pharmaceutics. v. 13 (11). 18 out. 2016.
MENDONÇA, M. C. P. et al. Reduced graphene oxide: Nanotoxicological profile in rats. Journal of Nanobiotechnology. v. 14 (53). 24 jun. 2016.
MENDONÇA, M. C. P. et al. Reduced graphene oxide induces transient blood-brain barrier opening: An in vivo study. Journal of Nanobiotechnology. v. 13 (78). 30 out. 2015.
DE PAULA LE SUEUR, L. et al. Breakdown of the blood-brain barrier and neuropathological changes induced by Phoneutria nigriventer spider venom. Acta Neuropathologica. v. 105 (2), p. 125-34. fev. 2003.
De HOLFLING, Maria A, C e MENDONÇA, M. C. P. Pesquisa FAPESP. Uma chave para entrar no cérebro. Nanomaterial à base de carbono pode facilitar a chegada de medicamentos ao sistema nervoso central. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/uma-chave-para-entrar-no-cerebro/.Acesso em: 23/09/2022.