Por: Maria Clara da Silva de Jesus – aluna de graduação em Biomedicina pela UFF.
Orientação: Prof.ª Dr.ª Lucianne Fragel Madeira e Dr. Gustavo Henrique Varela Saturnino Alves.
Em janeiro de 2022, na Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland, ocorreu o primeiro transplante de coração de porco geneticamente modificado, um fato importantíssimo para o futuro da ciência.
De um porco?! Sim, isso mesmo que você leu.
Por mais que seu desfecho não tenha sido dos mais oportunos, a pessoa morreu dois meses depois do transplante, ainda é importante salientar como isso pode ter sido possível e quais as perspectivas que cientistas esperam para o futuro!
O transplante entre diferentes espécies, como entre humanos e animais, já vem sendo estudado há décadas e é conhecido como xenotransplante. Este, então, tem apresentado avanços importantes graças a edição do genoma por meio da CRISPR-Cas9, técnica com potencial de melhoramento genético, a qual facilitou a criação de órgãos de porco com menor probabilidade de serem atacados pelo sistema imunológico humano.
Inicialmente em experimentos anteriores, os pesquisadores transplantaram órgãos suínos em primatas não humanos, um babuíno, tendo resultados positivos. De acordo com os pesquisadores, após receber um coração de porco geneticamente modificado, por transplante, o babuíno viveu por mais de dois anos.
Posteriormente, no ano de 2021, o pesquisador Montgomery e colaboradores, realizaram o transplante de rins de um porco geneticamente modificado para um ser humano. Como tentativa de evitar a rejeição do órgão, eles transplantaram também um timo do porco para o mesmo paciente. A ideia era a de que como o timo é o órgão responsável por produzir as células de imunidade do corpo, sendo da mesma origem que os rins, auxiliaria o corpo no processo de aceitação do órgão transplantado.
Os resultados dessa pesquisa mostraram uma melhora na função renal e o paciente não apresentou rejeição aos rins transplantados. Todavia, os resultados coletados só puderam ser observados ao longo de 54 horas após as quais os paciente transplantado, que já estava com morte cerebral, foi desligado das máquinas por questões éticas e legais. Por isso, não há certeza de que não ocorreria uma rejeição tardia.
Retornando ao transplante de coração para um humano. Para fazer o coração de porco utilizado no transplante, foi visto que a empresa responsável pela criação destes animais, precisou eliminar três genes de porco que são responsáveis por desencadear ataques no sistema imunológico humano e acrescentou seis genes humanos que auxiliam o corpo a aceitar o órgão.
Os pesquisadores por trás do estudo disseram que acham que morte do paciente de 57 anos de idade, dois meses após ter seu coração transplantado por um coração de porco, se deve a um citomegalovírus suíno, um vírus animal inofensivo para humanos mas que fez com que o seu sistema imunológico rejeitasse o coração transplantado. Tal infecção não foi detectada no porco vivo e ainda não há conhecimento da presença de outros vírus de animais que sejam latentes que podem afetar humanos muito tempo depois do transplante ocorrer. Dessa maneira, cientistas precisam de ainda muito estudo pela frente.
Há várias empresas que têm projetos de transplante de órgãos sólidos de porco geneticamente modificados. Além disso, já temos relatos de transplantes bem sucedidos utilizando corações de porcos para babuínos. Em conclusão, mesmo com as modificações genéticas atuais, ainda não se é claro quantas são necessárias para o sucesso de xenotransplantes. Cientistas prevêem que no futuro, provavelmente, o procedimento deve ser modificado para se adequar a órgãos e receptores específicos do corpo humano. Porém, pode levar tempo até que isso tudo seja feito e esteja pronto para uso clínico, assim, só nos resta torcer.
Referencias:
Reardon, Sara. (2022). First pig kidneys transplanted into people: what scientists think. Nature, 605, 597-598. https://www.nature.com/articles/d41586-022-01418-3
Reardon, Sara. (2022). First pig-to-human heart transplant: what can scientists learn? Nature, 601, 305-306. https://www.nature.com/articles/d41586-022-00111-9